Jangada Brasil
Vocabulário popular de Alagoas |
(termos coligidos por Paulino Santiago) Abutecar: 1. segurar, agarrar, prender; 2. hipotecar. Abutequei o cara pela gola. Fulano está em nada! Já abutecou a casa! Agastado: cabelo crespo, entre o liso e o pixaim. É rica e variada a família dos pêlos do coco humano. Assim temos: o de escadinhaque, não sendo liso nem carapinha, forma ondulações mais ou menos regulares, como os degraus de uma escada; o escorrido, o estirado, sem ondas, duro, como se houvesse sido molhado e escorrido; mastigado, uma variedade de agastado, crespo, sem chegar a ser pimenta do reino, que é o enrolado em bolinhas semelhantes àquela especiaria. Agateados: diz-se dos olhos claros, luminosos, que lembram os dos felinos. Amouroar: plantar, assentar mourões, nos currais de pesca etc. Seu Lúcio está amouroando um curral de fundo. A prática do ofícioe a necessidade de síntese criaram o vocábulo. Aposentar-se: enquanto entre as classes cultas o verdadeiro sentido deste verbo quase se apagou, as iletradas conservaram-no e o empregam corretamente por alojar-se, ficar num lugar. Arruado: lugarejo menor que um povoado. Banguê: apropriação indébita de alguma coisa; conlúio para tal fim; a própria coisa furtada. Passar um banguê: contrabandear. Barrucheira: 1. desaforo, atrevimento, insulto, grosseria. Não venha pra cá com as suas barrucheiras. 2. bebedeira, embriaguez. Nesse sentido, menos usado. Beiçolada: pancada nos beiços. Por extensão, qualquer golpe.Aquele sujeito está merecendo uma beiçolada. Bexigada: clister. Provém de que, antigamente, antes de haver as seringas de borracha e os modernos irrigadores, os clisteres eram aplicados por meio de uma bexiga de boi ou de outro animal. Biguane ou simplesmente bigue: grande. Do inglês big, big one. Bilunga: o membro viril dos meninos, às vezes também dos adultos. Bobar: andar à toa, desprecatadamente, não parece corrutela de bobear, registrada nos léxicos, mas uma forma colateral, visto a outra não ser jamais usada. E as formas corrutas só aparecem em relação às palavras mais usadas. Bodejar: o vozear do bode, principalmente quando ao encalço da fêmea. Diz-se, por extensão, da pessoa que fala ininteligivelmente ou anda a mumurar. Bucho-de-piaba: indiscreto, tagarela, incapaz de guardar segredo. Será que o travesso peixinho costuma devolver o que come em excesso?… Cabeça-de-prego: furúnculo, acne. Caçoleta (bater a): morrer. Talvez do fato de se queimarem resinas aromáticas em torno dos cadáveres, usando para tal fim caçoletas (incensórios). Canso: particípio passado irregular do verbo cansar, só usado com o auxiliar estar, talvez por influências de outros particípios dissílabos empregados do mesmo modo. Estou canso (cansado) de aconselhá-lo, como estou farto (fartado) de aturá-lo etc. Caseiras: (só no plural) achaques de velhice, dores nos quadris, hemorróidas Cartrevagem: gente baixa, ralé. Cristão: o ente humano em geral, o homem, o racional. Não há cristão que agüente isso. Como é que se mata assim um cristão? Desigual: fora do comum, incompatível como meio, amigo de contrariar. Você é muito desigual. Dores: reumatismo. Emprego do geral pelo particular. Metonímia. Dose: a diluição em água, de qualquer tintura homeopática. Nesse sentido restrito é que o povo conhece a palavra e geralmente a emprega. Seu Zé Diegues da Pajussara tratava com dose. O finado professor Goulart dava muita dose. Encasar: verbo neutro e reflexivo… alojar-se, permancer num lugar do corpo. Usado quase exclusivamente com referência a uma dor surda e incoercível. Tenho uma dor encasada aqui no vão. Enfermidade: ferida, chaga, úlcera braba. Entre o povo, faz mal ou é feio pronunciar esses nomes. Deve dizer-se: Tive uma enfermidade nesta mão, que quase ficou aleijada. Fulano morreu de uma enfermidade lá nele aqui na batata da perna. Familiação: a filharada. Coletivo duplo, derivado de família, com a significação de filho. Febrão: choque moral, grande contrariedade, emoção. Diz-se tomar um febrão. Feridagem: muitas feridas, geralmente miúdas, furunculose. Fininha: tísica, tuberculose. Estar com a fininha. Forquilha: certa doença dos pés das pessoas que andam descalças. Força a separação em V dos dedos atacados, donde o nome. Fumaceiro: grande quantidade de fumaça. Às vezes com a desinência feminina. Formado por analogia com aguaceiro, nevoeiro etc. Gaitada: risada estridente, rápida e aguda. O verdadeiro sentido da palavra obliterou-se. Gastura: mal-estar, sobretudo proveniente do estômago, enjôo, náusea. Gavião: a parte curva de uma variedade de foice. Igual: indica o meio termo, o estado intermediário entre duas ou mais situações. Estas mangas estão muito maduras? – Não! Nem muito madura nem muito verde: estão igual. Jeringonça: armadura de um edifício mal-feita e sem segurança. Casa velha, em ruínas. Também jirigonça. Lanço: vômito, a coisa vomitada. Como de vomitar se fez o desverbal vômito, assim de lançar o povo fez lanço, já havendo transformado aqueles em gumitar e gumito. Mãe-do-corpo: o útero das mulheres, madre. Mal-do-monte: nome vulgar da erisipela ou elefantíase, pelas protuberâncias que tais doenças produzem. Está se arcaizando, o que parece igualmente ocorrer com o seu sinônimo isipra. Mavunges: pêlos do púbis. Mijo-de-aranha: pustulazinha que aparece nos lábios, sobretudo nas comissuras e que o povo supõe ser causado pelo mijo das aranhas que transitaram no telhado enquanto o paciente dormia. Tem por sinônimo o vocábulo sabiá. Minduada: tisana geralmente preparada por curandeiros, com ingredientes vários, como plantas, aguardente etc. Por extensão, mistura de muitas coisas. Mocorongo: tornozelo inchado. Por extensão, qualquer articulação deformada. Macumbagem: os órgãos genitais do homem. Quase sempre empregado no plural. Vez por outra macumbagem que nada tem com macumba. Nopró: nódulo, quisto; qualquer saliência molesta de uma parte do corpo. Parece um aumentativo de nó. Papoca: empola ou borbulha que se forma na pele, por causa interna ou externa. Derivado papocado: cheio, coberto de papocas. Pecó: que só tem um pé. Muito usado como antonomástico. Antônio Pecó, João Pecó. Polvejar: apanhar polvos por meio do bicheiro. Outra síntese vocal, de grande expressividade, com que os praieiros enriquecem o nosso vocabulário. Quereca: feridinha, pereba. Derivado querequento: que tem querecas. Roçado: vício de Lesbos. Chermonto, apud Rodolfo Garcia, diz que na Amazônia se chama a isso, uruá. Sambudo: enfezado, pálido, sem vigor, anêmico. Sangue-novo: inflamação pruriginosa da epiderme, urticária. Sete-couros: doença da planta dos pés das pessoas que andam descalças. Produz o engrossamento da pele local, que se vai desagregando em camadas. Parace causada por um parasita. Severgonho: desavergonhado. |
(Santiago, Paulino. “Do nosso vocabulário popular”. Correio de Maceió, 25 de agosto de 1968, p.4) |