Jangada Brasil
Carimbó |
Pedro Tupinambá
Nosso veraneio em Salinópolis deu-nos a grande oportunidade de assistir ao carimbó, uma das danças afro-brasileiras mais interessantes da região amazônica. O carimbó é dançado na quadra natalina em Salinópolis, Marapapim, Maruda, Curucá, Bragança, Salvaterra etc., e seu nome se origina de carimbó, tambor comprido de procedência africana, que os tocadores percutem com ambas as mãos, horas e horas seguidas, com alguns minutos de intervalo. Acompanha o carimbó, o xeco-xeco, instrumento também usado nos batuques, e a viola. Em Salinópolis, funcionam três carimbós: o de seu Elzo, no Porto Grande; o do Jirimar, de dona Maria, com piso de soalho, e o do Pajurá, na Aldeia, com piso de cimentada. Já o carimbó fervia animado na noite de 7 de janeiro de 1961, quando chegamos à palhoça de seu Elzo Corrêa, no fim de uma rua comprida e cheia de altos e baixos, com trechos arenosos e de argila. Cerca de vinte pares requebravam ao som da batucada. Lamparinas a querosene, de três pavios e pendentes dos caibros iluminavam o salão de danças, de barro socado, soltando uma fumaceira dos diabos, que enegrecia o teto. Alguns bancos serviam para o descanso dos dançarinos. No fundo a orquestra, constituída de três carimbós, um xeco-xeco e uma viola. Elzilo, Alexandre e Januário batiam os carimbós, Olavo Silva, na viola, e Wilson Sarmanho, no xeco-xeco, tocavam de pé e nas extremidades do grupo. Os carimbós são colocados em cima de um banco comprido de madeira, e cavalgados pelos tocadores, que apoiam uma perna no chão. Embora sem possuir voz melodiosa, Elzilo — o solista — tirava com entusiasmo e muita vibração as canções do carimbó, que os demais acompanhavam: Arriba seringandu, Maria me dá teu lenço, Verônica me convidou Ao lado da barraca das danças uma tendinha vendia bebidas e comidas regionais, destacando-se a cachaça, guaraná, mungunzá e tacacá. Do piso de terra batida levantava-se fina poeira, que se entranhava pelas narinas e pelos olhos. Os pares dançavam animados, suando em bica. Homens e mulheres — dos 16 aos 70 anos e lá vai fumaça — gingavam os corpos e saltitavam ao compasso ligeiro da música afro-brasileira, ora levantando os braços, ora apoiando as mãos nas cadeiras, ora fazendo estalar os dedos polegar e médio de ambas as mãos. O carimbó é uma espécie de puladinho, de passos miúdos, e dança-se afastado, não havendo nenhum contato do cavalheiro com a dama, formando os pares uma roda, que circula pelo salão durante vários minutos, animados pelo ritmo alucinante e pelo próprio calor da dança. Os nossos companheiros Marcos Soares, Luiz Meireles e esposa, dona Nenê Leite e sua irmã dona Marieta Bastos, major Alcindo Costa e esposa, Vanerilinho e noiva, Elói Guedes e esposa, Lolita Meireles e outros veranistas de Belém admiraram a agilidade das caboclas quarentonas, que põem no chinelo muita moça de dezoito. Tem mais tarimba e bossa. O carimbó é uma dança contagiante, que atrai os espectadores para o meio do salão. Quase não se resiste ao seu ritmo quente… Marcos Soares — não fosse a presença da noiva — teria saído pra dançar, tão indócil estava. Dona Nenê Leite achou notável a coreografia do carimbó, tendo aprendido alguns passos. Os músicos, caboclos tostados ao sol de Salinópolis, cantavam a plenos pulmões as letras simples de suas canções, que trazem o cheiro do mato e o perfume das caboclas faceiras de nossa terra: A rosa só é bonita, A dança do peru e a dança do macaco são modalidades, do carimbó. Assistimos, na casa de seu Elzo, à primeira, da qual só participa um par: o cavalheiro corteja a dama, fazendo volteios ao seu redor, com as fraldas da camisa levantadas pelas pontas dos dedos, imitando um par de asas, e todo inchado como se fosse um peru, enquanto o solista do conjunto canta quadrinhas jocosas, repletas de ironia, alusivas ora ao moço, ora à sua acompanhante. Após certo número de voltas e requebros, o cavalheiro é substituído por outro, depois a dama, e assim sucessivamente vão se revezando homem e mulher para dar oportunidade a novos elementos. O carimbó vira a noite toda e só termina de madrugada, quando os dançarinos estão de pernas bambas e ensopados de suor, e o astro-rei anuncia o início de novo dia. |
(Tupinambá, Pedro. “Carimbó”. Folha do Norte. Belém, 05 de fevereiro de 1961) |