Jangada Brasil, nº 17, janeiro de 2000: Festança – São Gonçalo
SÃO GONÇALO
São Gonçalo tem pelo interior de São Paulo um fervoroso culto. Tem-no estudado com afinco o doutor Maynard de Araújo, folclorista dos mais sérios, com obra vasta e substanciosa. O culto foi levado de cá e lá; em Tatuí, por exemplo, também se canta como cá:
“São Gonçalo de Amarante Diz o acatado folclorista: “veio com os portugueses no âmago de suas almas nostalgiadas, no bojo de suas guitarras, que no Brasil se transformaram em violas”. Padroeiro dos violeiros, atribuindo ao passado do Santo, espírito folgazão, a sua imagem é apresentada tocando viola. Santo casamenteiro, por excelência, não deixa de ouvir as preces dos que sofrem. Segundo informa o folclorista citado, encontrou esta crença em Tatuí: os velhos reumáticos ficam sãos “do seu mal, se dançarem a São Gonçalo” com fé e respeito: “Meu glorioso São Gonçalo, Canta-se em Taubaté, também cidade paulista. E em Ubatuba: “São Gonçalo foi p’ró céu. E em Cunha: “São Gonçalo subiu p’ró céu, “É uma dança de magia” – escreve Alceu Maynard Araújo -, afasta os perigos, afugenta os riscos de naufrágio (Ubatuba); quando há alguém em perigo na pesca, fazem promessa ao santo (Cananeia): “Já louvei a São Gonçalo, Informa-nos ainda Alceu Maynard de Araújo: “Nos lugares visitados, onde assistimos à Dança de São Gonçalo, a imagem do santo às vezes é comprada, outras vezes é feita por “curiosos” que a entalham na madeira, a canivete, ou fazem-na de barro… Em todas as imagens o santo traja um calção à moda portuguesa, de Braga, preso pouco abaixo do joelho por uma meia preta, comprida, calça borzeguim, chapéu na cabeça, capa azul nas costas, viola na mão”. Depois descreve a dança: “A dança é realizada em frente do altar. Dois violeiros ficam entre duas filas dos dançarinos, uma de homens, outra de mulheres, lado a lado. A maneira de dançar é diferente em diversos lugares visitados. Quanto à disposição dos violeiros, também. Mas sempre há o sapateado. Quando cada par finaliza o sapateado, fazem o beijamento. Vão beijar o altar, o santo ou as fitas que estão nele amarradas. É este momento que muitas moças aproveitam para amarrar uma fita, pedindo para que ele faça seus casamentos com quem elas gostam. A fita desta promessa é sempre branca. Quando as mulheres casadas querem fazer um agradecimento ao santo, dão fitas de cores”. A dança é refeita em “cumprimento de promessa”, pelas graças recebidas. É uma dança demoradíssima, leva às vezes horas e horas, mas no seu desenrolar há sempre o máximo respeito. No lugar onde está sendo realizada, não se fuma, e descobrem-se, ao entrar no salão. Ao São Gonçalo não oferecem dinheiro, nem mantimentos, nem animais; pagam as suas promessas somente com dança, enfeitando o altar ou amarrando fitas ao santo. “Em alguns lugares há um respeito enorme pela dança, a ponto de não se dançar o Fandango, na casa onde houve Dança de São Gonçalo, e, sim, numa próxima. E ai daquele que zombar da dança”. Sempre violeiro, também é considerado marinheiro pela gente da beira-mar: “São Gonçalo já foi santo (De Cananeia) Por sua vez o professor Rossini Tavares de Lima, diretor do Centro de Pesquisas Folclóricas Mário de Andrade, de São Paulo, afirma: “Entre as populações suburbanas do nosso país, nenhum santo leva a palma a São Gonçalo de Amarante.” “Na Bahia é crença generalizada que era ele um frade português, tido vulgarmente como promotor de casamentos das solteironas”. Atribui a isso a sua semelhança com Santo Antônio, sendo ambos evocados para o mesmo efeito. Também acentua que no Brasil a parte coreográfica da festa é ainda a mais importante, tanto assim que se costuma dizer “dança de São Gonçalo”. Em Pernambuco, chama-se “baile de São Gonçalo”. Na Bahia, é “roda de São Gonçalo”. Outra denominação usual no sul é a de “função de São Gonçalo”. No meu trabalho A Bahia e o seu folclore relicário de tradições lusas refiro-me ao culto de São Gonçalo. Também no Ceará se cultua o famoso santo, cantando-se, como refere Gustavo Barroso, em Ao som da viola: “São Gonçalo de Amarante |